O último triângulo rosa
Homossexual, Rudolf Brazda, de 98 anos, conta em livro o tempo em que viveu no campo de concentração nazista de Buchenwald
ANDREI NETTO - ENVIADO ESPECIAL
MULHOUSE, FRANÇA - O silêncio se estendeu por um instante e o olhar se perdeu em um ponto futuro quando Rudolf Brazda foi questionado sobre sua sobrevivência ao nazismo. Então, como parece fazer quando falar lhe exige esforço extra, moveu a cabeça para trás em um movimento terno, repousando-a no ombro de seu amigo Jean-Luc Schwab. "Nós tentávamos sobreviver como podíamos e nos adaptar, sem deixar que aquela experiência nos destruísse", explicou, após um momento de introspecção. "De alguma forma aquela perseguição combinava com o nazismo."
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Brazda e biógrafo, Jean-Luc Schwab
Brazda, a quem a reportagem do Estado entrevistou na sexta-feira, em Mulhouse, na França, é tido como o último "triângulo rosa". A designação foi criada em alusão ao símbolo afixado nas roupas de 10 mil homossexuais deportados para campos de concentração durante a 2ª Guerra. Aos 98 anos, seu vigor físico se esvai, mas a força do espírito segue intacta para testemunhar a perseguição que sofreu na Alemanha nazista, com outros 100 mil gays fichados pela SS e pela Gestapo por crime de luxúria nos anos mais sombrios da história da Europa.
Um desses testemunhos foi imortalizado por Jean-Luc Schwab, autor de Triângulo Rosa - Um Homossexual no Campo de Concentração Nazista, lançado no Brasil essa semana pela Mescla Editorial. Baseado em dezenas de horas de depoimentos, em entrevistas com personagens que passaram por sua vida e documentos oficiais sobre o nazismo dos arquivos alemães e checos, o livro mescla apuração jornalística à pesquisa histórica para reconstituir a vida de último gay sobrevivente. E transforma-se num raro documento sobre a vertente menos estudada dos crimes do nazismo: a obsessiva perseguição sexual exercida contra estrangeiros e alemães por Adolf Hitler.
Não que as leis que estabeleciam penas de prisão para homossexuais tenham sido criadas pelo führer e seus cúmplices. A exemplo do sentimento de superioridade da raça ariana, a recriminação da homossexualidade era latente na moral alemã - e não apenas nela - no final do século 19, época da unificação do país. A rejeição à diferença era expressa, entre outros, no célebre artigo 175 do código penal do 2º Reich, que estabelecia "a luxúria contra o que é natural, realizada entre pessoas do sexo masculino ou entre homem e animal", como crime passível de prisão e de perda dos direitos civis.
Porém, até a República de Weimar, no entre guerras, o discurso contra a homossexualidade em boa parte dos Estados da federação alemã não passava de retórica destinada a constranger e humilhar publicamente os que expunham suas preferências. É a partir de 1933, com a ascensão do nacional-socialismo ao poder, que a perseguição se amplifica. Hitler muda o discurso - antes ambíguo, alternando entre o preconceito e o convívio amistoso - e faz do combate aos gays parte da ideologia do sistema. "Os judeus eram para Hitler a ameaça à pureza da raça ariana. Os homossexuais, a suposta ameaça à perpetuação da raça", explica Schwab.
Memorial aos gays mortos. Sintonizado com o pensamento de sua época, Brazda considerava heterossexuais como "os normais", e a homossexualidade como uma espécie de deficiência, um defeito que não necessariamente deveria ser escondido. Ser gay, para ele, era um complexo exercício de contradições entre algum grau de vergonha diante do olhar da sociedade e a necessidade de assumir sua diferença sem complexos. "O homossexualismo faz parte da vida porque faz parte da natureza. É a natureza que nos marca", entende ele, hoje. "Ou não se aceita, ou se aceita. Eu me aceitei. É dessa forma que fui feliz."
O testemunho de Brazda sobre os campos de concentração só se tornou público em 2008, quando o governo alemão inaugurou em Berlim um memorial aos gays mortos durante o nazismo, o Homosexuellen-Denkmal. Até então, imaginava-se que não havia mais homossexuais vivos que tivessem sido vítimas do nacional-socialismo. Seu nome não constava da lista de homenageados, cujo expoente era Pierre Seel, tido até então como a última testemunha. Aos 95 anos, Brazda cedeu aos apelos de uma sobrinha para se revelar como sobrevivente dos campos. "Sempre pensei que minha experiência não interessasse a ninguém, em especial após a guerra, quando todos tinham tantos problemas a resolver", justifica.
Pois interessava. Desde então, um segundo livro vem sendo preparado na Europa tendo como centro de interesse seu período no campo de Buchenwald, no leste da Alemanha. Hoje convencido da importância de seu testemunho, Brazda, mesmo enfraquecido pela idade avançada, não se furta mais a falar sobre sua vida.
Nascido em 23 de junho de 1913 no vilarejo alemão de Brossen, Brazda era o oitavo filho de um casal originário do vizinho Império Austro-Húngaro. Mesmo que sua língua e cultura fossem germânicas, do ponto de vista legal era checo - a confusão de origens gerou nele desapego às nacionalidades, a ponto de ficar 15 anos apátrida após a 2ª Guerra. Filho de mineiros, deixou a escola aos 14 anos para trabalhar, sonhando tornar-se comerciário. Acabou aprendiz de telhador. Ao final da adolescência, entendia-se "às maravilhas" com as mulheres, mas percebeu logo que não era por elas que se sentia fisicamente atraído.
Descobriu então a homossexualidade, da qual tinha imagem negativa por associá-la à miséria e à prostituição em sua região, a Saxônia. Carismático e bom dançarino, tornou-se o par preferido das moças da cidade, de quem era fiel conselheiro. Órfão de pai desde os 8 anos e xodó de uma família de operários comunistas, Brazda encontrou em casa um ambiente de tolerância em relação a sua orientação sexual. Aos 20, cercado de amigas e amigos, expunha sua sexualidade sem constrangimentos. "Eu tinha sete irmãos e irmãs, era o caçula e todos gostavam muito de mim. Além disso, sempre recebia apenas meninos em casa. Acredito que eles em algum momento entenderam a minha homossexualidade e a aceitaram bem."
A aceitação era tal que sua família chegou a organizar um "almoço de núpcias" quando decidira "oficializar" sua relação com Werner, seu primeiro amor. Com ele, passou a viver em uma pensão dividindo o mesmo quarto, sem oposição da proprietária da hospedaria, fiel testemunha de Jeová - outro sinal da liberalidade da cultura local. "Werner e eu tínhamos uma vida de casal, com um lar. Vivíamos abertamente", assegura.
A radicalização teve início em 1933, com a ascensão de Hitler ao poder. Até então, Berlim era centro da vida homossexual na Europa. Brazda costumava divertir-se chamando em público seus amigos por nomes ou apelidos femininos. Werner era "Uschi", Albert, "gorda Berta". Levava corações de chocolate ao namorado em seu ambiente de trabalho e frequentava bares gays, como o Café New York, em Leipzig, sem ser perturbado. A repressão demoraria a chegar ao interior, até contaminá-lo de vez por uma peste: a denúncia. "Quando aconteceu, a mudança entre a liberdade e a repressão acabou não sendo muito surpreendente", conta. "Os alemães estavam obcecados pela ideia da pureza da raça ariana. E eu sempre achei uma ideia absolutamente estúpida e inaceitável."
Em 1936, o cenário de tolerância havia se invertido. Ao mesmo tempo, a guerra se preparava. Brazda havia sido dispensado do serviço militar checo, por não falar a língua. Já Werner não teria a mesma chance, sendo convocado para a Luftwaffe, a Força Aérea alemã. Ambos jamais voltariam a se reencontrar. "Eu era feliz com Werner, com quem vivia como marido e mulher. Mas, nessa época, a separação era o caminho natural", recorda. "Claro que foi difícil, mas encarávamos a vida como ela vinha. E o regime não aceitava relações como a nossa."
‘Crime’ e confissão. A caça às bruxas o atingiria diretamente um ano mais tarde. Em uma manhã de abril de 1937, Brazda foi acordado por uma revista policial em seu quarto. Três horas depois, assinaria um depoimento pleno de contradições sobre sua vida sexual. No dia seguinte, enfrentaria a Justiça sem advogado ou testemunhas a seu favor. Encurralado pela multiplicação de provas contra si, reconheceria seu "crime" pouco mais tarde. "Sim, pratiquei masturbação mútua com Werner, e isso aconteceu desde 1934/1935. Percebi rapidamente que, assim como eu, ele amava homens", reconheceu, em documento assinado por ele e localizado por Schwab na Alemanha. "Eu o amava verdadeiramente e fui fiel a ele, não procurando contato sexual com outros homens." O apelo emocional não seria levado em conta e a confissão lhe renderia uma condenação por crime de luxúria em um processo aberto e encerrado em menos de 40 dias.
Os seis meses que se seguiriam seriam seus primeiros de prisão. A partir de então, Brazda e os amigos, todos, viveriam sufocados pelo aparato do Estado totalitário, que prendia, expulsava, suspendia direitos civis, humilhava e torturava, física e psicologicamente. Nem o exílio na então Checoslováquia evitaria a perseguição, já que, sem resistência ocidental, a Alemanha de Hitler ocuparia os sudetos checos e, então, todo o país.
Uma nova prisão em 1941, por reincidência, selaria seu destino. Se os novos 14 meses na prisão de Karlsbad lhe permitiram viver com alguma dignidade e ainda fascinar os companheiros de cárcere - "eu era conhecido e tinha sorte porque era jovem e bonito, todos os outros prisioneiros corriam atrás de mim" -, a sequência seria mais dramática. Ela começaria em 8 de agosto de 1942, quando foi transferido para Buchenwald com 50 outros presos, 4 deles por serem gays.
Assim, Brazda descobriu o horror em um campo de concentração, e nele as sevícias, a fome, a miséria e as experiências científicas em cobaias humanas - entre as quais a "inversão de polaridade sexual", realizada pelo médico dinamarquês Carl Vaernet (1893-1965 - ministrava injeções de hormônios e de diferentes substâncias na tentativa de mudar o comportamento dos homossexuais). "Eu sabia da existência dos campos e sabia que os judeus eram enviados para Auschwitz Birkenau a fim de serem exterminados. Mas não acreditava que os homossexuais também pudessem ser mandados para o extermínio", diz, agora consciente do valor histórico de seu testemunho. "Eu sabia que o homossexualismo era reprimido pelos nazistas. Mas jamais imaginei que eu mesmo fosse vítima de um crime contra a humanidade."
Gente, soube que em Campos não existe só a Play Man, mas há também uma boate para mulheres. com homens dançando e tudo o mais, se souberem o endereço me avisem por favor.
ResponderExcluirPuta que paril
ResponderExcluirPuta que paril cara vc é foda é pica ;):D
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