11 de ago. de 2010

Religiosidade e Homossexualidade

Religiosidade e homossexualidade podem falar a mesma língua

4 de agosto de 2010 por Brunella França  

Como toda pessoa que escreve deve saber, quando nos deparamos com um desafio, primeiro as borboletas voam no estômago, mas depois vem aquele prazer imenso de ler, ler, ler e estudar. O desafio fica maior ainda quando esbarra nas crenças de quem escreve.

O tema desta semana nasceu do texto A ciranda de opiniões: votos evangélicos X LGBTs, publicado aqui mesmo, no ABCLes. A querida Pry John nos alertou contra o perigo – verdadeiro – da generalização quando falamos em votos evangélicos, como se eles fossem uma coisa só, unida e compacta. A Pry ainda nos ofereceu seu relato de evangélica e militante pelos direitos LGBTs (e que não é fácil ser as duas coisas – leiam os comentários aqui: http://abcles.com.br/destaques/a-ciranda-das-opinioes-votos-evangelicos-x-lgbts).
Do comentário dela, surgiu a ideia de abordar num texto os temas homossexualidade e religiões. Apesar da inicial resistência em escrever sobre religiões (super concordo com o que a opinião da Sara Lecter diz sobre o assunto), o que descobri é que as iniciativas em prol de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e transexuais dentro das tradicionais religiões judaico-cristãs existem e estão crescendo.
Isso não deveria, na verdade, ser uma grande novidade porque onde existem seres humanos, existe diversidade. Inclusive relacionada à sexualidade. E o fato que muita gente vem enxergando é que nenhum argumento religioso contra a homossexualidade sobrevive a uma análise crítica. Qualquer motivo religioso padrão não é mais do que ficção, fruto de convicções cegas. O “argumento” é muito mais uma preferência pessoal, uma posição apoiada por uma “escolha” e não por “argumentos racionais”. A religião, portanto, serve de máscara para encobrir o preconceito.
Nesse embate religiões versus LGBTs, os homossexuais são condenados por serem supostamente contra o deus judaico-cristão (hoje predominante nas religiões praticadas no Brasil) e pecadores – ou seja, somos vítimas da mesma generalização a que acometemos os evangélicos no texto sobre as eleições.
O que posso dizer após pesquisa sobre o assunto é que são muit@s @s homossexuais cristãos contemporâneos que reconhecem a sua auto-aceitação como fruto da graça de seu deus. E testemunham que, desde que se assumiram, sentem-se mais felizes, saudáveis, produtiv@s, afetuos@s, em paz, alegres, próximos de outras pessoas e do deus em que acreditam.
Então vamos a uma pequena análise do livro sagrado para os cristãos. Para todas as admoestações que fundamentalistas e papagaios de piratas (aqueles que repetem as coisas sem ter ido verificar o que era mesmo) fazem afirmando que a Bíblia condena os homossexuais, só há cinco passagens bíblicas que mencionam atos sexuais entre homens. Não há referências explícitas em relação ao sexo entre mulheres (contextualizemos a Bíblia como um livro que é contra a mulher emancipada, a igualdade jurídica, a abolição de escravatura e o casamento monogâmico). Ou seja, nem de pecadoras as lésbicas podem ser chamadas *lixa a unha*.
De acordo com investigadores contemporâneos, Jesus Cristo se preocupou muito pouco com homossexuais e há um certo número de histórias bíblicas que mostram uma grande simpatia em relação às relações próximas ou íntimas entre membros do mesmo sexo.
Um dos livros mais acessíveis a propósito da controvérsia teológica é What the Bible Really Says About Homosexuality (O que a Bíblia realmente diz sobre a homossexualidade), de Daniel Helminiak (1994), um padre católico. A obra de 119 páginas refuta definitivamente uma comum e antiga afirmação: “a Bíblia condena a homossexualidade. Está escrito”. Na realidade, o padre chega à conclusão que a verdade é justamente o oposto. Investigações bíblicas mais recentes mostram que o livro sagrado dos cristãos é basicamente indiferente em relação à homossexualidade. “A Bíblia preocupa-se somente, tal como com a heterossexualidade, com as práticas que violam outros requisitos morais”, escreve.
Também é importante chamar a atenção para o fato de a homossexualidade, e a sexualidade em geral, ser um conceito muito recente. A Bíblia, em algumas passagens, fala de atos específicos entre membros do mesmo sexo. E, pela versão do livro que chegou até os dias atuais, Jesus nunca falou realmente sobre o assunto. Os fiéis LGBTs que abraçam a Bíblia e a fé judaico-cristã como ideais de suas vidas têm a visão de que é importante realçar que todas as histórias bíblicas têm um objetivo: uma lição moral sobre a fé e a compaixão.
Duas passagens que são usadas para condenar os homossexuais masculinos são a história de Sodoma e Levítico 18, 22 e 20, 13. Durante séculos, a história de Sodoma, encontrada no livro do Gênesis, tem sido utilizada contra homossexuais, que têm sido tratados como marginais por igrejas e sociedade. “Tal opressão é exatamente o pecado que as pessoas de Sodoma cometeram”, afirma Helminiak.
As passagens do Levítico denunciam relações sexuais entre homens e o castigo apresentado é severo. Em Levítico 20,13 é dito: “Se um homem se deitar com um homem, como se deita com uma mulher, ele deve ser morto, o seu sangue deve ser derramado”. Mas há de se observar que o Livro do Levítico é sobre o Código Sagrado e os atos homossexuais condenados eram praticados em rituais de religiões pagãs, das quais os Judeus queriam se diferenciar.
“A Bíblia não toma nenhuma posição clara e direta a propósito da moralidade dos atos [homossexuais] em si ou acerca da moralidade das relações gay e lésbicas”, conclui Helminiak.
Para o teólogo, missionário e jornalista americano Thomas Hanks, “a Bíblia tem muito mais boas novas do que condenações”. Como exemplos, ele menciona o relacionamento entre Ruth e Noemi, Davi e Natanael, Cristo e o discípulo amado. “A parábola do filho pródigo também deve ser lida na perspectiva gay”, sugere.
Apontando para Romanos 13, 8-10, Hanks afirma que se houvesse amor entre as pessoas como ensinou Jesus – amar os outros como a si mesmo –, tudo estaria resolvido. Duas pessoas que se amam não estão contrariando nada. “Uma das fortes razões da homofobia reside no fato do homem homossexual ser visto como um traidor dos privilégios da superioridade do varão. Muitos pais se sentem culpados e veem como castigo de Deus o fato de terem filhos homossexuais. Também as mulheres lésbicas sofrem. E duplamente – por serem mulheres e por serem lésbicas. Não são mal vistas como traidoras, mas sim por quererem ser superiores às outras mulheres, por quererem se igualar aos homens”, observa o missionário.
No Brasil, encontrei o Pastor Victor Orellana. Nascido no Chile, criado em uma família metodista em São Paulo, ordenado pastor na Assembléia de Deus, fundou a Igreja Evangélica Acalanto, conhecida pela aceitação da homossexualidade. Ele é gay e admite sua homossexualidade publicamente (contato: outrasovelhas@hotmail.com).
Outro religioso a favor dos LGBTs é o teólogo e historiador Márcio Retamero, mestre em História Moderna pela Universidade Federal Fluminense e pastor da Comunidade Betel do Rio de Janeiro. Desde 2006, a Comunidade Betel se intitula uma Igreja Protestante Reformada e Inclusiva, que milita pela inclusão de LGBTs na Igreja Cristã. Além de exercer papel fundamental na luta pela aceitação de homossexuais na Igreja, a Betel celebra o que chama de Rito de Casamento entre pessoas do mesmo sexo, isto é, uma cerimônia onde casais gays recebem a bênção matrimonial.
E não é que o pastor conhece o mantra da tia Bru? Leiam as palavras dele: “Homossexualidade não é doença física ou psíquica. Homossexualidade não é contagiosa. Homossexualidade é orientação sexual como heterossexualidade é uma orientação sexual. Como teístas, acreditamos que a orientação sexual faz parte da diversidade da criação de Deus e tudo o que Deus criou. Neste sentido, homossexualidade é bênção de Deus e não maldição. Os que usam as Escrituras para condenarem a homossexualidade nada sabem sobre a Bíblia. A leitura deles é uma leitura literalista, mas seletiva. Além disso, outro problema grave são as traduções modernas que não são fiéis aos textos mais antigos como a Bíblia Nova Versão Internacional, dentre outras. Eles usam desonestamente termos criados no século XIX como ‘sodomitas’ ou modernos como ‘homossexuais’ para traduzirem erroneamente termos gregos como arsenokoitai e malakós, que longe estão da noção de homossexualidade como nós a entendemos nos dias de hoje. Não existe tradução bíblica não ideológica. Para mudarmos o quadro de exclusão de homossexuais nas comunidades de fé cristã, é preciso o combate às traduções ideológicas das Escrituras”.
Dentro da Igreja Católica, não achei nenhum programa/pastoral/grupo, whatever, ABERTAMENTE em prol de homossexuais, mas descobri iniciativas individuais e veladas – ou seja, sem o conhecimento do Vaticano – de padres (gays) que prestam auxílio religioso a LGBTs e às famílias destes. Na edição número 15 da revista Júnior – que traz o depoimento de quatro padres gays – padre Tiago afirma que “mais de 50% dos padres são homossexuais”. A frase que mais me marcou: “Nasci negro e gay, me fizeram cristão e me fiz padre”, padre Emanuel. (Quem quiser ler a reportagem completa, favor entrar em contato comigo por e-mail que envio as páginas escaneadas – brulf@hotmail.com).
Deixo aqui para vocês duas páginas interessantes, uma evangélica e outra católica, com bastante conteúdo sobre religiosidade e homossexaulidade, que encontrei durante a pesquisa: Gospel LGBT: homossexualidade sem preconceitos (http://gospelgay.blogspot.com/) e Diversidade Católica (http://www.diversidadecatolica.com.br/default.php).
E se você é ou conhece alguém que pratica uma religião tradicional e não tem conflitos com a homossexualidade, relate para a gente nos comentários.
(Quero justificar que não abordei neste texto o Espiritismo nem o Candomblé porque as duas religiões aceitam a homossexualidade como algo natural e celebram a uniões entre LGBTs).


Para quem quiser ler mais sobre o tema, deixo três links:
Entre a fé e o desejo. Uma reflexão sobre religião e homossexualidade no Brasilhttp://www.diversidadecatolica.com.br/opiniao_detalhes.php?id=3
Igreja e homossexualidade no Brasil: cronologia temática, 1547-2006http://www.diversidadecatolica.com.br/opiniao_detalhes.php?id=2

Um comentário:

Fala que eu te escuto:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...